Solidariedade social prevista no estatuto da Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Estado do Ceará (Femice) é posta à prova diariamente em estabelecimentos de saúde sem fins lucrativos. O Ceará possui 93 unidades do tipo que, em 2018, realizaram 9.899.133 atendimentos ambulatoriais, ao todo, conforme dados registrados pelo Ministério da Saúde.
A quantidade representa um aumento de 732.370 em relação ao ano anterior, quando foram feitos 9.166.763 atendimentos em todo o Estado. O número de internações hospitalares nas unidades também apresentou um aumento, saltando de 187.942, em 2017, para 211.832, em 2018.
Os atendimentos ambulatoriais realizados nas entidades filantrópicas do Ceará em 2018 custaram mais de 164 milhões de reais, segundo o Ministério da Saúde. Em 2017, os atendimentos somaram R$ 157,7 milhões. O déficit das unidades não foi informado porque, segundo a Federação depende do repasse dos órgãos, que é diferente para cada área e cumulativo.
A demanda crescente, porém, não é acompanhada pelo volume de recursos destinados aos hospitais e santas casas do Ceará. De acordo com o presidente da Femice, Marcos Granemann, dentre as 42 unidades filiadas à Federação, praticamente todas operam com déficit financeiro. Segundo ele, o subfinanciamento é um dos maiores problemas. “Se você analisar a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), que é a base do financiamento dos atendimentos nos hospitais, a maioria dos procedimentos tem 15 anos de desatualização. Hoje tem estudos que dizem que a cada 10 reais que uma Santa Casa gasta, ela recebe R$ 6. Isso acontece em nível nacional, e o Ceará acompanha”, diz.
O repasse feito às unidades pode acontecer de duas formas, a depender do contrato do hospital: de acordo com a produção, que paga de acordo com o que é realizado, ou por contratualização, quando é destinado um valor fixo independentemente da quantidade de procedimentos feitos no equipamento. Segundo Granemann, a segunda modalidade é mais frequente no Ceará. “É menos vantajoso, porque a demanda aumenta e o recurso se mantém. É o mais prejudicial, porque temos um aumento de demanda todo ano, que não é compensado no aumento de repasses”.
A situação preocupante se traduz em uma “bola de neve financeira”, como descreve o presidente da Federação. O valor recebido pelas unidades já não supre as necessidades dos atendimentos, contudo, por serem filantrópicos, os hospitais ou entidades devem “manter suas obrigações em dia”.
“O próprio critério do Ministério da Saúde para fazer o repasse é a unidade estar com todas as certidões em dia, de FGTS, INSS. Se não estiver com as certidões negativas, não recebe”, explica Granemann.
Sem conseguir manter os pagamentos em dia, os hospitais voltam-se aos bancos, em busca de financiamento. Em alguns equipamentos, o impacto financeiro é minimizado através do atendimento privado. De acordo com a Lei nº 12.101/2009, conhecida como Lei da Filantropia, para ser considerada uma entidade filantrópica, o hospital deve realizar, no mínimo, 60% dos atendimentos através do Sistema Único de Saúde. “Podemos trabalhar com 40% privado para ajudar a custear o déficit do SUS. É um complemento provisório que não deveria acontecer”, afirma.
Segundo ele, a Federação tem buscado duas possíveis opções, no Ministério da Saúde. Para minimizar o impacto do déficit e manter as unidades funcionando, é cogitado um complemento de recursos, ou a atualização da tabela do SUS.